Nos últimos eventos do setor, uma cena tem se repetido com frequência preocupante: executivos de Trade Marketing afirmando estar “prontos” para liderar projetos de Retail Media em suas operações, mesmo sem qualquer capacitação técnica ou visão estratégica do que esse novo ecossistema realmente exige em performance, awareness e cultura de mensuração.
Mais do que uma polêmica, esse tipo de afirmação revela um despreparo perigoso que pode comprometer toda a evolução do Retail Media no Brasil. Retail Media não é uma simples extensão do que se fazia no Trade Marketing. E insistir nisso não apenas freia a inovação, mas também destrói valor na visão única e integrada da jornada do shopper, prejudica resultados e desconstrói parcerias estratégicas com o varejo, que precisa ser qualificado como veículo de mídia (cliente) nos famosos JBPs.
A visão equivocada: Trade 360 não é Retail Media
Há quem afirme com convicção que a metodologia Trade 360 se aplica com clareza e assertividade ao Retail Media. Isso é uma aberração conceitual. A lógica do Trade Marketing tradicional, centrada em visibilidade no ponto de venda físico, cultura centrada no sell-out e negociações de curto prazo, simplesmente não contempla a complexidade do Retail Media — que exige visão de dados, cultura avançada segmentação em qualquer fase do funil de compra, hiper personalização e ativação full funnel.
Campanhas em Retail Media não podem ser tratadas como “abastecimento de gôndola digital”. Elas precisam ser pensadas para cada estágio da jornada: search, interesse, awareness, consideração e conversão, com entregas específicas e mensuráveis em cada ponto. Ignorar isso é negar a própria essência do modelo.
Quem deve liderar Retail Media? (Spoiler: não é só o Trade)
No Brasil e no mundo, os maiores cases de sucesso em Retail Media têm uma característica em comum: liderança multidisciplinar. Times que integram Marketing, E-commerce, Mídia, BI e Tecnologia — com governança clara e foco em performance.
A área de Trade Marketing tem sim um papel importante — especialmente na construção de relacionamento com o varejo. Mas não pode ser a liderança exclusiva de um projeto que exige fluência em Marketing, CRM, Search, Ecommerce, Mídia Programática, Dados 1st Party e modelos avançados de atribuição. Há necessidade clara de qualificação focada em governança e visão estratégica, dados e tecnologia, operação e execução, monetização e comercialização, mensuração e resultados. Quando o Trade assume essa liderança sem a devida qualificação, o que se vê são campanhas fragmentadas, estratégias desconectadas da jornada e resultados curtos.
Full Funnel ou Fracasso: o novo iROAS como régua estratégica
Retail Media não pode ser julgado apenas por métricas de sell-out. O novo iROAS (incremental Return on Ad Spend) exige que a performance seja analisada por estágio da jornada e por cluster de audiência. Isso demanda ferramentas, metodologias e pessoas preparadas.
Sem domínio sobre dados, sem capacidade de personalização de mensagens e sem entendimento da lógica de funil, o resultado é um só: desperdício de verba, baixa recorrência e erosão da experiência do shopper.

JBPs fragmentados: o erro estratégico da indústria
Outro ponto crítico é o modo como algumas indústrias têm tratado o Retail Media em JBPs (Joint Business Plans). Negociar ativações de Retail Media como se fossem “ações promocionais digitais” é reduzir todo o potencial do canal a um item de checklist.
Mais grave ainda é ver executivos tratando o varejista como cliente, e não como parceiro estratégico de audiência e dados (veículo de mídia). Isso revela uma mentalidade ultrapassada, que precisa urgentemente ser revista com um “banho de loja” com benchmarking nacionais e internacionais. A capacitação é via de mão única!
Retail Media é uma via de mão dupla. Varejistas e marcas anunciantes compartilham dados, construções criativas e metas de performance. Não há espaço para abordagens transacionais e desconectadas da jornada omnichannel,
A solução: qualificação técnica e nova governança
É hora de encarar a realidade: não existe sucesso em Retail Media sem capacitação técnica real. Isso significa: a) Formação em CRM, Dados e Mídia Digital; b) Integração de squads com especialistas em performance, conteúdo e dados; c) Nova governança que centralize estratégia e promova colaboração transversal; e d) KPIs claros e alinhados com objetivos de branding e sell-out.
A liderança da indústria CPG precisa se mover rapidamente para preparar seus times. O jogo está em campo — e quem continuar jogando com a lógica do Trade tradicional, vai ficar para trás. Isso é um constante junto as principais marcas em suas abordagens e tratativas com varejistas. Logicamente, há algumas marcas já maduras com lideranças e planos qualificados em execução.
Qual é a Virada de Chave nesse Contexto?
Retail Media não é uma tendência: é uma transformação definitiva na forma como marcas e varejistas se conectam com seus shoppers. Reduzir essa estratégia a um apêndice do Trade Marketing é um erro grave — e perigoso. Se apropriar desse guarda-chuva estratégico, sem conhecimento e experiência para execução é desidratar uma nova receita incremental para varejistas nacionais e regionais brasileiros.
É tempo de estudar, de se capacitar, de integrar áreas e de operar com inteligência de dados e foco total no shopper. O mercado não perdoará o amadorismo. E a liderança do futuro será ocupada por quem entende que Retail Media é, acima de tudo, inteligência estratégica aplicada à jornada de compra e consumo.