Nos bastidores do avanço da Retail Media no Brasil, um movimento tem chamado atenção: o protagonismo indevido de líderes de Trade Marketing tentando incorporar Retail Media como um apêndice de sua estrutura tradicional. É um erro estratégico grave, com impactos diretos na competitividade, inteligência de dados e eficiência das campanhas.
Essa movimentação, ainda comum entre empresas de bens de consumo (CPG), revela uma visão míope da disciplina. A proposta de valor de Retail Media é, por essência, inversa à lógica tradicional do Trade Marketing. Onde o Trade pensa da loja para dentro, Retail Media opera do shopper para fora, estruturando estratégias omnichannel baseadas em jornada, dados e personalização.
A Visão Limitada do Trade 360°
O Trade Marketing tradicional enxerga o ponto de venda como o centro da estratégia. Mesmo quando evolui para uma visão “360”, essa abordagem ainda gira em torno da execução no chão de loja — comunicação, ativação, visibilidade e sell-out. Ao assumir a liderança de Retail Media com essa lógica, o head de Trade incorre em erro de origem: subestima o papel estratégico da mídia, restringindo-a a uma função tática de apoio às vendas.
Retail Media, por outro lado, é uma plataforma integrada. Ela conecta Search, CRM, E-commerce, Mídia Digital, Offsite, Onsite, Dados Transacionais, Dados de Navegação, Dados de Jornada e Inteligência de Shopper em uma orquestração complexa e sofisticada. É outro jogo.

Personalização requer Inteligência de Dados, não se resume à Planograma
Um dos erros mais recorrentes é assumir que a personalização promovida por Retail Media pode ser executada com as ferramentas e mindset do Trade. A personalização baseada em dados exige domínio de clusterização de shopper, segmentação comportamental, análise de missões de compra, cestas, recorrência, elasticidade, entre outros elementos avançados.
Trade Marketing opera no modelo de push: ativa produto no PDV. Retail Media opera em pull: entende o comportamento, antecipa o desejo e ativa a mídia no momento certo da jornada — seja na busca, na navegação, no app, na loja física ou no social media. A diferença entre esses dois modelos é estrutural. Mesmo em operação de trade digital, landpages de marca ou categoria, hero images, etc. não estão integradas numa gestão única de jornada com mensuração específica para cada fase do funil, as ativações de ecommerce quase sempre são fragmentadas na execução e na mensuração.
Mensuração não se resume a Sell-Out!
Outro equívoco técnico é acreditar que a mensuração de Retail Media se limita ao sell-out. Isso ignora toda a complexidade da atribuição full funnel, que considera métricas específicas por etapa da jornada: topo de funil: alcance, viewability, brand lif; meio de funil: cliques, ad engagement, ad recall; e fundo de funil: ad-to-cart, conversão, vendas incrementais.
Retail Media exige frameworks de mensuração sofisticados, com dashboards que integram dados transacionais, comportamentais e de mídia. O head de Trade que ignora isso compromete a eficácia da operação e perde credibilidade frente ao board. A visão sobre mensuração exige o entendimento da relevância da jornada: do search ads até in-store media do chão de loja.
Sincronização Multicanal não é Acessório, é Core!
Campanhas desintegradas, ativadas com lógica de canal isolado ou multicanalidade, são um reflexo do pensamento antigo. Retail Media funciona com sincronização inteligente entre canais: onsite + offsite + instore, incluindo estratégia de campanha com anuncios adeuquados para CRM, App, Ecommerce, DOOH, CTV, etc. A “mágica” da Retail Media está justamente em impactar o shopper em qualquer momento do seu dia, com mensagens relevantes e coerentes, criando consistência e continuidade entre exposição e conversão.

In-store e On-site são apenas parte do Ecossistema
Outro erro é reduzir Retail Media a “mídia em loja” e banners em e-commerce. O avanço mais robusto da disciplina está justamente no off-site: DSPs, social ads, programática, retail search ads, streaming e CTV, todos integrados ao dado transacional do varejo. Essa expansão exige governança tecnológica, conhecimento de plataformas, estrutura de DMP/CDP, e domínio de ativação via API — competências distantes da rotina tradicional do Trade.
CRM não é sinônimo de Dados Monetizáveis
Confundir CRM com base de dados monetizável é ignorar que a monetização de dados depende de infraestrutura robusta, baseada em CDP (Customer Data Platform), com dados de navegação, transação, comportamento e identidade. Retail Media de verdade integra dados first-party com third-party e second-party para gerar segmentações preditivas e campanhas automatizadas em tempo real. Isso é BI + MarTech + AdTech, não calendário promocional.
Execução de Campanhas exige Árvore de Decisão Dinâmica
Na prática, Retail Media demanda estratégia de campanha baseada em árvores de decisão, com variações de criativo, canal, produto, oferta e mensagem conforme o estágio da jornada do shopper. Automação e performance caminham juntas. Isso requer times técnicos, squads de growth, mídia e analytics — uma governança que extrapola a caixinha do Trade. Imagine que o estado da arte é controlar e gerenciar as campanhas numa visão única de jornada.

O varejista deixa de ser cliente e vira veículo
Essa é talvez a mudança mais paradigmática: o varejista se transforma em publisher, e a marca vira anunciante. O head de Retail Media precisa negociar como mídia, não como canal de sell-in. O modelo muda completamente: há margem de mídia, KPI de audiência, inventário, visibilidade, e performance. Quem ainda opera como se o varejista fosse cliente perde relevância e ROI, não hão pressão por sortimento, debate sobre precificação e estoque, etc. Exige sim uma visão mais aperfeiçoada em garantir Marketing Mix Modeling na operação para que as campanhas tenham garantia de ruptura zero, precificação correta e sortimento adequado, mas não é a diretriz mestre para que se busque excelência em gestão de retail media.
Retail Media requer governança, estrutura e cultura Full Funnel
Retail Media não pode ser improvisada. Requer estrutura organizacional dedicada, governança clara entre indústria e varejo, cultura orientada por dados, integração MarTech e AdTech, capacitação técnica contínua, KPIs de marketing, não de sell-out e visão estratégica de monetização de dados. Sem isso, o risco é alto: campanhas mal segmentadas, baixa performance, desperdício de verba, desgaste com o varejo e desvalorização da marca.
É Hora de largar o Osso
Retail Media não é um puxadinho do Trade. É um novo pilar de marketing. É tempo dos líderes de CPGs entenderem que, para fazer Retail Media de verdade, precisam montar uma estrutura nova, com competências técnicas, visão de produto e cultura digital. O head de Trade precisa “largar o osso” se quiser jogar esse novo jogo. Ou muda de mentalidade — e se capacita profundamente — ou deve abrir espaço para quem compreende o potencial transformador da mídia de varejo no ecossistema digital. A indústria virou anunciante. O varejo virou veículo. E quem insiste em operar com o mindset antigo está apenas atrasando o futuro.