Mastercard entra de vez no modelo Commerce Media

No dia 1º de outubro de 2025, a Mastercard anunciou oficialmente sua nova rede de mídia digital: Mastercard Commerce Media, uma iniciativa para ir além de seu papel clássico como infraestrutura de pagamentos e passar a atuar como “ponte” entre anunciantes, consumidores e publishers com base em seus dados transacionais e escala global.

A proposta é clara: permitir que marcas entreguem ofertas (cashback, descontos, incentivos etc.) direcionadas a públicos específicos, utilizando dados “permissionados” (isto é, com consentimento) de consumidores que já estão “inscritos” no ecossistema da Mastercard. Quando o consumidor ativa a oferta pelo cartão associado, a Mastercard consegue atribuir a conversão da campanha, se o cliente comprou ou não, diretamente ao conteúdo ou estímulo entregue.

Com isso, a Mastercard se posiciona como uma plataforma de mídia com atributos de dados e atribuição, não apenas um captador de tráfego ou vendedor de espaço. Ela busca resolver duas das queixas mais recorrentes em redes de mídia combinadas a dados de varejo: (i) atribuição consistente, especialmente entre compras online e offline e (ii) fragmentação e falta de transparência entre diferentes redes e ecossistemas.

Vantagens estratégicas e diferenciais

Alguns pontos merecem destaque sobre por que essa movimentação da Mastercard ganha atenção:

Escala de dados e relevância cross-categoria: enquanto redes de varejo possuem dados ricos, mas limitados àquele retailer específico, a Mastercard possui visão de comportamento de consumo agrupado, cruzando compras em categorias diversas: viagens, entretenimento, alimentação, combustíveis etc.

Parcerias estratégicas desde o lançamento: para ganhar tração, a Mastercard já firmou parcerias âncora com Citi, WPP, Microsoft e American Airlines. Essas alianças permitem ampliar a distribuição da solução (por exemplo, via bancos ou redes de mídia tradicionais), bem como integrar com novas frentes como wallets e inteligência artificial (IA).

Integração com soluções internas: o novo serviço pode se articular com a plataforma de personalização Dynamic Yield e os recursos de otimização de mídia do braço de Marketing Services da Mastercard. Essa sinergia interna é uma alavanca importante.

Foco em ambientes controlados para brand safety: a Mastercard evita, por enquanto, operar no “open web” sem controle, preferindo ambientes autenticados e confiáveis para os anunciantes (por exemplo, publishers parceiros ou ambientes ligados a bancos). Isso ajuda a mitigar riscos de posicionamento indesejado ou fraude.

Atributo de atribuição card-linking: conectar o anúncio/oferta com uma transação “real” em cartão é o motor fundamental da promessa de valor. Esse mecanismo permite mensurar incrementos de venda que seriam difíceis de capturar por redes de mídia convencionais.

A Mastercard já declara que sua operação atual envolveu 160 bilhões de transações em 2024, e que o novo serviço é capaz de gerar um retorno de até 22× (ROAS, retorno sobre o gasto em mídia) para anunciantes de categorias variadas.

Os desafios de monetização e riscos à frente

Apesar da atratividade do conceito, monetizar uma rede de mídia com base em dados e atribuição enfrenta obstáculos reais. A seguir, os principais riscos e gargalos que a Mastercard (e outros entrantes) precisarão superar:

DesafioDetalhes / Implicações
Aquisição de inventário / escala de inventárioA Mastercard não “possui” inventário de mídia próprio em grande escala, precisará depender de publishers parceiros, bancos emissores ou expansionismo via wallets, PDV (ponto de venda), entre outros. Convencer esses parceiros a reservar fatias de mídia requer provas de receita incremental e modelos de remuneração atrativos.
Competição acirradaO mercado de retail media / commerce media já atrai muitos atores: varejistas com suas redes próprias, plataformas de e-commerce, gigantes de tecnologia, redes de anúncios programáticos. A Mastercard entra com vantagem de dados, mas ainda precisa brigar por verba de mídia dos anunciantes.
Confiança e privacidade de dadosMesmo com consentimento (“permissioned data”), usuários, reguladores e anunciantes exigem rigoroso controle de privacidade, compliance e transparência. Vazamentos ou uso indevido podem gerar rejeição.
Mensuração incremental e atribuição justaA promessa de “atribuir conversão ao estímulo exibido” exige modelos rigorosos de causalidade e controle de ruídos (como efeitos de canal cruzado ou “estímulos externos”). Se investidores ou anunciantes desconfiem da atribuição, a adoção sofre.
Fragmentação de ecossistemasCompras ocorrem em múltiplos canais (loja física, e-commerce, aplicativo, marketplace etc.). Consolidar dados de diferentes sistemas e conectá-los ao estímulo da campanha exige integração complexa com múltiplos parceiros.
Modelos de precificaçãoDefinir preços de mídia (CPM, CPC, CPA, share de receita) que agradem anunciantes e remunerem os publishers parceiros exigirá experimentações cuidadosas.
ROI demonstrável e retenção de anunciantesAnunciantes migrarão parte de seus orçamentos para essa solução apenas se os resultados forem tangíveis e sustentáveis, especialmente em comparação com mídia digital tradicional.
Expansão geográfica / adaptação localEm mercados regulamentados com leis de proteção de dados (como a LGPD no Brasil), a adaptação legal, cultural e operacional pode exigir ajustes e “localização” do modelo.

Um artigo da eMarketer enfatiza que muitos anunciantes reclamam de inconsistência na mensuração, falta de transparência e fragmentação entre redes de mídia, justamente lacunas que a Mastercard visa preencher. E ela reconhece que a iniciativa “tem estado em desenvolvimento por algum tempo” para lidar com esses desafios entrantes.

Outro ponto relevante é o trade-off entre controle de marca (brand safety) e escala: ambientes muito controlados limitam onde a mídia pode veicular; ambientes muito abertos trazem riscos de reputação. A Mastercard, ao privilegiar parceiros autenticados e canais com controle, busca equilibrar isso, mas, no longo prazo, precisará ampliar seu leque de inventário com segurança.

Cenário brasileiro e latino-americano: o que muda para o Brasil?

Para o Brasil e América Latina, o modelo da Mastercard enfrenta tanto oportunidades quanto desafios adicionais:

Oportunidades

  • A penetração de cartões, digitalização de pagamentos e crescimento do e-commerce facilita o uso de dados transacionais, sobretudo se houver adoção de consentimento claro junto aos consumidores.
  • Os varejistas locais estão cada vez mais interessados em monetizar seus dados e canais digitais; uma rede de mídia com dados neutros como a Mastercard pode servir como “hub neutro”.
  • Bancos emissores regionais e fintechs podem se associar ao modelo, estendendo a rede de forma colaborativa.

Desafios locais

  • A legislação de proteção de dados (LGPD, e eventuais adaptações) impõe cuidados extras à coleta, uso e compartilhamento de dados de consumidores.
  • A cultura de marketing local pode estar menos madura para confiar cegamente em atribuição sofisticada, o que exige evangelização forte e cases locais robustos.
  • A infraestrutura de integração entre diferentes sistemas de PDV, e-commerce, marketplaces e sistemas bancários pode ser mais complexa e fragmentada.
  • A dimensão de escala em alguns mercados da América Latina é menor, a rede da Mastercard terá que “ganhar tração” gradualmente para justificar investimento.

A criação da Mastercard Commerce Media representa uma aposta ambiciosa e bem fundamentada da Mastercard para migrar de infraestrutura de pagamentos a um player de mídia com DNA de dados. Seu diferencial está na combinação de escala, dados transacionais cross-categoria, mecanismos de atribuição e parcerias estratégicas, o que lhe dá um trunfo competitivo frente a redes tradicionais.

No entanto, transformar isso em um negócio de mídia rentável e sustentável exige superar desafios centrais: convencer publishers a ceder inventário, ganhar confiança sobre atribuição e privacidade, oferecer ROI consistente aos anunciantes e equilibrar expansão e brand safety. No contexto brasileiro, será essencial adaptar legalmente, estruturalmente e culturalmente a proposta para que ela “encaixe” nesse ecossistema local.

Ricardo Vieira
Ricardo Vieirahttp://www.digitalstoremedia.com.br
Ricardo Vieira atua em diferentes canais e segmentos há 30 anos no varejo brasileiro, é fundador da ABRAMEDIA e da DIGITAL STORE MEDIA, criado para fomentar todo ecossistema de Retail Media no mercado brasileiro, também dirige o Clube do Varejo, criado em 2019 para desenvolver pequenos varejistas. Ele também fundou e preside o Instituto Nacional do Varejo (INV), promovendo a indústria varejista desde 2017 com soluções inovadoras. Desde 2006, é sócio-diretor da TRADIUM, focada em soluções tecnológicas! Criou o Retail Media Academy, Retail Media News e Retail Media Show para fomentar a excelência em mídia e varejo. Com expertise em inteligência de vendas, trade marketing, CRM e fidelidade, Ricardo lidera projetos de inteligência para indústria e varejo. Sua trajetória inclui papéis significativos como VP de Sustentabilidade na ABRALOG e Coordenador Regional de Projetos na Ambev.

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