Retail Media não é tarefa apenas do Trade marketing. É também missão estratégica do CMO.

Nos últimos anos, muito se tem falado sobre a transformação do varejo em uma plataforma de mídia. Grandes redes estruturaram áreas de Retail Media para monetizar seus ativos digitais e físicos, ativar campanhas full funnel e operar com dados proprietários em benefício da indústria. Mas apesar do discurso sofisticado, o que se vê, na prática, ainda é um modelo operacional frágil, com liderança desalinhada e visão tática limitada. A ausência do CMO e de outras lideranças estratégicas no desenho da operação de Retail Media é um dos maiores limitadores de crescimento e sofisticação dos projetos de mídia no varejo.

O problema começa na origem da liderança

Na maioria das indústrias, os projetos de Retail Media estão sendo conduzidos por heads de Trade Marketing — profissionais com forte domínio da execução promocional, relacionamento com o varejo e distribuição de verbas, mas sem o repertório estratégico, técnico e digital necessário para liderar uma operação de mídia robusta com guarda-chuva estratégico aberto, entendendo melhor as oportunidades do onsite, offsite e instore media.

O CMO — que deveria estar à frente da visão omnichannel, da construção de marca, da jornada do shopper, da integração de dados e da mensuração de resultados — muitas vezes sequer está envolvido na construção da estratégia. Isso cria um projeto capenga: bem-intencionado, mas míope. Isso precisa ser discutido com uma visão estratégica mais apurada, ancorada em conceitos e fundamentos de Retail Media consagrados internacionalmente.

O que a indústria perde com essa ausência?

Falta de visão integrada de marca e performance: Quando o CMO está fora do jogo, o projeto de Retail Media se restringe ao fundo de funil — ativação promocional, desconto, exposição de produto. Sem envolvimento da área de marketing, perde-se a oportunidade de construir marca e trabalhar awareness e consideração com inteligência full funnel.

Campanhas fragmentadas, sem consistência criativa: O marketing é quem conhece a narrativa, o posicionamento, os assets criativos e os objetivos de marca. Sem essa participação, as campanhas executadas via Retail Media tendem a ser pobres em storytelling e ricas apenas em preço e prazo.

Ausência de uma jornada full funnel bem planejada: Trade atua no momento da conversão. O marketing entende o caminho até lá. A ausência do CMO impede o desenho de estratégias que capturem atenção no topo do funil e cultivem relação com o shopper ao longo da jornada. Com ausência da mentalidade da indústria de ser marca anunciante (cliente) e varejista como veiculo de mídia, muita coisa se perde pelo caminho.

Incapacidade de medir e provar resultados estratégicos: Sem marketing e BI por perto, o Retail Media fica restrito a métricas de execução (cliques, impressões, visibilidade de produto) e não consegue demonstrar ROAS, lift de marca, conversão incremental e lifetime value, que são essenciais para justificar o investimento.

Perda de sofisticação na monetização da jornada: Marketing conhece melhor que o trade como capturar valor em diferentes pontos de contato — CRM, app, push, feed, mídia offsite, conteúdos. Sem essa visão, a indústria monetiza só o “último clique” — barato, porém limitado.

Por que o Trade não deve liderar sozinho?

Retail Media não nasceu para ser um “ativo promocional”. Ele é um guarda-chuva estratégico, que engloba mídia, dados, conteúdo, ativação, tecnologia, criatividade, performance e experiência. Exigir que o head de Trade Marketing assuma sozinho esse projeto é como pedir que o gerente de logística lidere a transformação digital da empresa — ele até entende parte do processo, mas não vê o todo. A liderança isolada do trade marketing gera projetos reativos, não estratégicos; falta de coordenação entre áreas; campanhas rasas e pouco escaláveis; e zero governança em dados e mensuração.

Como corrigir essa rota no início deste processo: da liderança isolada à governança colegiada de Retail Media

Se o projeto de Retail Media continuar restrito à agenda do Trade Marketing, ele seguirá pequeno, tático e ineficiente no full funnel. A única forma de destravar seu potencial é criando uma governança colegiada, onde diversas áreas contribuem com suas competências — e compartilham responsabilidade sobre o sucesso da operação.

Retail Media precisa ser um projeto multidisciplinar — ou não será nada

O primeiro passo é entender que Retail Media não pertence a uma área só. Ele vive no cruzamento entre marketing, trade, vendas, mídia, BI, tecnologia e e-commerce. Cada área detém parte do quebra-cabeça, e apenas juntas conseguem montar o todo.

Colocar o CMO no centro da construção de Retail Media: O projeto deve ser tratado como parte da estratégia de comunicação e monetização de marca, e não como uma ação promocional isolada.

Criar comitês interdisciplinares de Retail Media:Unindo Trade, Marketing, BI, Mídia, Vendas e Digital para co-construir a operação.

Construir uma visão full funnel com metas compartilhadas: Integrar KPIs de awareness, consideração, conversão e fidelização em um mesmo plano de mídia.

Trabalhar com parceiros estratégicos de tecnologia e dados: Para garantir sofisticação nas ativações, segmentação e mensuração de resultados reais.

Educar e capacitar as lideranças: É hora de formar um novo perfil híbrido: com visão de marca, domínio de mídia e conhecimento de performance — do Trade ao CMO.

Retail Media precisa ser um projeto multidisciplinar — ou não será nada

O primeiro passo é entender que Retail Media não pertence a uma área só. Ele vive no cruzamento entre marketing, trade, vendas, mídia, BI, tecnologia e e-commerce. Cada área detém parte do quebra-cabeça, e apenas juntas conseguem montar o todo. Fiz questão de detalhar abaixo como cada área gera uma proposta de valor complementar e estratégica ao processo de construção da área transversal de Retail Media na indústria:

Marketing (liderança estratégica e de marca) – responsável por garantir:

  • A conexão entre Retail Media e os objetivos da marca;
  • A coerência criativa das campanhas;
  • O equilíbrio entre branding e performance;
  • A exploração do topo e meio de funil;
  • A construção de storytelling e experiências relevantes.

Trade Marketing (expertise em execução e sell-out) – responsável por:

  • Conectar a indústria ao varejo;
  • Garantir que campanhas estejam atreladas ao planejamento comercial;
  • Negociar visibilidade e ativações no PDV;
  • Orquestrar junto ao campo e canais de vendas.

Mídia & Digital (técnica e operação publicitária) – responsável por:

  • A compra de mídia (on/off-site);
  • A escolha de formatos e canais;
  • A mensuração de KPIs digitais (impressões, CTR, ROAS);
  • O uso inteligente de dados de audiência;
  • Garantir ativação full funnel com programática, DSPs, DMPs, etc.

TI / Martech (infraestrutura e integração) – responsável por:

  • Conectar as tecnologias da indústria com as do varejo;
  • Garantir segurança e governança de dados;
  • Operacionalizar integrações com DMPs, CDPs, plataformas de CRM, etc.

E-commerce (conversão e shopper experience) – responsável por:

  • Alinhar as campanhas à jornada digital do shopper;
  • Otimizar a experiência nos canais próprios e do varejo;
  • Alinhar o sortimento, preço e disponibilidade com os ativos de mídia.

Estrutura sugerida de governança colegiada

Para que Retail Media seja de fato um motor estratégico dentro das indústrias, é fundamental estruturar um modelo de governança colegiada que equilibre visão de longo prazo, agilidade operacional e alinhamento entre áreas. Isso começa pela formação de um comitê multidisciplinar, com representantes de todas as áreas-chave envolvidas — marketing, trade, mídia, BI, tecnologia e e-commerce — que se reúna de forma regular (mensal ou bimestral) para tomar decisões estratégicas, aprovar roadmaps, revisar resultados, avaliar oportunidades e desenhar pilotos. Esse comitê deve atuar como guardião da coerência e da ambição do projeto.

Abaixo dele, é essencial existir um grupo operacional de trabalho, com profissionais diretamente envolvidos na execução das campanhas, ativação de mídia, coleta e análise de dados. Esse grupo pode se reunir quinzenalmente (ou com maior frequência, se necessário), para garantir a fluidez da operação, ajustes táticos, alinhamento de cronogramas e entregas entre áreas. Ele é o motor diário do Retail Media, conectando a estratégia com a execução.

Para orquestrar esse ecossistema de forma eficiente, é recomendável a criação de um PMO (Project Management Office) ou uma função equivalente, que atue como ponto focal do projeto. Esse papel pode ser assumido por alguém da área de digital, inovação ou até uma estrutura nova dedicada à operação de Retail Media. O papel do PMO é garantir que tudo flua — prazos, entregas, reuniões, cronogramas, processos e governança — e que haja uma visão única do projeto em tempo real.

Estrutura sugerida de governança colegiada

Esse modelo não só evita duplicidade de esforços, como também assegura que todas as decisões estejam respaldadas por dados, alinhadas com a estratégia de marca e integradas com os objetivos de negócios. A governança colegiada transforma Retail Media em uma competência organizacional, não em um esforço isolado de uma área só.

Comitê de Retail Media (mensal ou bimestral)

  • Representantes de todas as áreas-chave (nível gerencial e diretivo)
  • Responsável por aprovar roadmaps, investimentos, metas, pilotos e prioridades

Grupo operacional (quizenal)

  • Executores diretos de campanhas, dados e mídia
  • Responsável por execução, ajustes táticos e acompanhamento em tempo real

PMO (Project Management Office)

  • Um ponto focal que conecta todas as áreas
  • Garante cumprimento de prazos, entregas e processos padronizados

Benefícios básicos de uma governança colegiada

✅ Visão única sobre campanhas, metas e resultados
✅ Redução de silos e disputas por budget
✅ Alinhamento entre execução e estratégia de marca
✅ Aprendizado e evolução constante a partir de dados reais
✅ Maior valorização da indústria perante o varejo
✅ Capacidade de escalar e sofisticar a operação de Retail Media

Retail Media é complexo demais para ser resolvido com liderança isolada. Médias e grandes indústrias que desejam extrair todo o potencial dessa frente precisam sair do modelo centralizador (Trade + MDF) e migrar para uma governança colaborativa, estratégica e orientada a dados. A próxima revolução da mídia está acontecendo dentro do varejo. Quem entender isso como projeto de marca e de negócio, e não como ação promocional, sairá muito na frente.

Retail Media é uma avenida de valor, mas só para quem lidera com visão ampla

Quando bem estruturado, Retail Media pode ser a ponte entre branding e performance, entre shopper e consumidor, entre marketing e vendas. Mas isso só acontece quando o projeto deixa de ser um apêndice tático do Trade e passa a ser um pilar estratégico liderado — ou, no mínimo, co-liderado — pelo CMO. Quem liderar com visão de plataforma, não de promoção, sairá na frente. Quem limitar o Retail Media ao PDV, vai perder relevância — e orçamento.

Ricardo Vieira
Ricardo Vieirahttp://www.digitalstoremedia.com.br
Ricardo Vieira atua em diferentes canais e segmentos há 30 anos no varejo brasileiro, é fundador da ABRAMEDIA e da DIGITAL STORE MEDIA, criado para fomentar todo ecossistema de Retail Media no mercado brasileiro, também dirige o Clube do Varejo, criado em 2019 para desenvolver pequenos varejistas. Ele também fundou e preside o Instituto Nacional do Varejo (INV), promovendo a indústria varejista desde 2017 com soluções inovadoras. Desde 2006, é sócio-diretor da TRADIUM, focada em soluções tecnológicas! Criou o Retail Media Academy, Retail Media News e Retail Media Show para fomentar a excelência em mídia e varejo. Com expertise em inteligência de vendas, trade marketing, CRM e fidelidade, Ricardo lidera projetos de inteligência para indústria e varejo. Sua trajetória inclui papéis significativos como VP de Sustentabilidade na ABRALOG e Coordenador Regional de Projetos na Ambev.

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